O Reino Unido vive uma crise silenciosa — e digital. Por trás das vitrines vazias e das linhas de produção paralisadas, um novo tipo de guerra está sendo travado: a guerra cibernética. Segundo o Centro Nacional de Segurança Cibernética (NCSC), o país está enfrentando uma média de quatro ataques cibernéticos nacionalmente significativos por semana, o dobro do registrado no ano anterior.
Esses números revelam uma escalada sem precedentes. Nos últimos 12 meses, o NCSC analisou 1.727 alertas de incidentes, sendo que 429 exigiram resposta direta da Equipe de Gerenciamento de Incidentes. Entre eles, 204 foram classificados como “nacionalmente significativos”, ou seja, ataques com potencial de afetar serviços essenciais ou comprometer interesses estratégicos do país.
Dezoito desses casos foram considerados “altamente significativos” — incidentes com capacidade de causar danos de longo prazo, interrupções críticas e necessidade de resposta coordenada entre governo e empresas.
Impactos reais, prejuízos gigantescos
Os efeitos já são sentidos na economia real. O ataque à varejista Marks & Spencer, por exemplo, deve gerar um prejuízo direto de £300 milhões (cerca de R$ 2 bilhões), sem contar o impacto sobre fornecedores e consumidores. O Grupo Cooperativo e a Jaguar Land Rover também enfrentaram interrupções de suas operações, revelando o alcance físico dos ataques digitais.
Outro caso emblemático foi o ataque de ransomware à empresa de serviços laboratoriais Synnovis, que paralisou exames e diagnósticos médicos em Londres. O prejuízo estimado ultrapassou £32,7 milhões, superando em várias vezes o lucro anual da companhia.
Esses exemplos expõem uma verdade incômoda: os ataques cibernéticos deixaram de ser uma ameaça apenas a dados e computadores — e passaram a comprometer a continuidade dos negócios e até a segurança de vidas humanas.
Um novo tipo de ameaça global
Segundo o relatório anual do NCSC, os agentes de ameaça mais perigosos continuam sendo grupos patrocinados por Estados estrangeiros, com destaque para China, Rússia, Irã e Coreia do Norte. Essas operações, altamente sofisticadas, buscam roubo de propriedade intelectual, espionagem econômica e sabotagem de infraestrutura crítica.
Além deles, gangues de ransomware seguem explorando vulnerabilidades conhecidas, atingindo desde pequenas empresas até gigantes do setor industrial. Apenas três falhas conhecidas foram responsáveis por 29 incidentes significativos:
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Uma vulnerabilidade crítica no Microsoft SharePoint Server;
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Um bug grave em produtos Ivanti Connect Secure, Policy Secure e ZTA Gateways;
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Falhas de autenticação no Fortinet FortiManager.
Essas brechas mostram que a falta de atualização e de gestão de vulnerabilidades continua sendo um dos principais vetores de ataque, mesmo entre organizações de grande porte.
A hesitação virou vulnerabilidade
O relatório do NCSC traz um alerta direto aos líderes empresariais: “É hora de agir.”O órgão afirma que a segurança cibernética deve ser tratada como responsabilidade estratégica de diretoria, e não como um tema exclusivamente técnico.
“A melhor forma de se defender é tornar as organizações o mais difíceis possível de serem atacadas. A hesitação é uma vulnerabilidade, e o futuro dos negócios depende da ação tomada hoje”, destacou o Dr. Richard Horne, presidente-executivo do NCSC.
Para apoiar as empresas, o centro lançou um kit gratuito de ferramentas de segurança, voltado especialmente para pequenas e médias organizações. A iniciativa traz orientações práticas sobre backup, autenticação multifator, segmentação de rede e gestão de incidentes.
A urgência da resiliência cibernética
Segundo o NCSC, uma em cada duas pequenas empresas do Reino Unido foi vítima de um ataque cibernético no último ano. Esse dado reforça a necessidade de políticas de resiliência digital em todos os níveis corporativos.
Além disso, o governo britânico recomenda a adesão ao Cyber Essentials, programa de certificação que ajuda empresas a se protegerem contra os ataques mais comuns e a demonstrar compromisso com boas práticas de segurança.
“Resiliência cibernética não é mais um diferencial competitivo — é uma questão de sobrevivência”, reforça o relatório.
O custo da inação
O custo coletivo da inação é devastador: perda de confiança do consumidor, danos à reputação, paralisação de cadeias de suprimento e impacto direto no PIB. Em um cenário global em que os ataques se tornam mais sofisticados e persistentes, proteger sistemas e dados é proteger a economia e a soberania nacional.
O caso britânico serve de alerta para o mundo todo: a segurança cibernética já não é apenas um tema de tecnologia — é um tema de Estado.